quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Benedito Antonio Ferreira, um brasileiro...

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Benedito mora em Magé...

Perto da estação...

Veio ao Rio de Janeiro, na sexta-feira, para tirar seus documentos somente com o dinheiro da vinda e uns trocados...

Benedito é epilético...

O dinheiro não lhe permitiu comprar seu Gardenal 100 que custa 5 reais...

“Tenho que economizar prá comprar comida prôs meus filhos e prá minha esposa”...

Ganha dinheiro capinando terrenos, sua esposa com faxinas sonhando em voltar para Minas...

Ficou dois dias sem comer...

Ficou envergonhado de pedir...

“Sou mineiro, moço”...

Neste domingo, já amanhecendo, sentiu que estava mal...

Procurou o Hospital Souza Aguiar, já que estava ali perto da Central imaginando como voltaria para casa...

Lhe deram soro e uma injeção de calmantes...

Ficou contente de lhe permitirem tomar um banho no hospital...

Às 15 horas saiu pelas ruas...

Andou muito...

Pensou em apanhar latinhas vazias até acumular o suficiente para passagem...

Cada quilo de alumínio vale R$ 3,50...

Sua passagem R$ 6,00...

Quando o encontrei tendo uma convulsão violenta que lhe levantava do asfalto, como num filme de efeitos especiais, ao lado uma sacola velha de supermercado, continha poucas latas de alumínio amassadas...

Eram 20h 30min...

Ao entrar na Rua Senador Vergueiro, próximo ao Garota do Flamengo, vejo carros parando para observar Benedito em convulsão no chão no meio da rua...

“Ia encostar num carro, pensei que o dono acharia que queria roubar; tentei retornar ao outro lado da rua que estava vazio e caí no meio”...

Um rapaz solitário desvia os carros para não atropelá-lo...

Encosto o táxi em frente a uma garagem de um prédio ao lado direito em frente a uma Locadora de Vídeos...

Muitas pessoas observam perplexos mas ninguém chega perto de Benedito que se debate...

Ele baba no canto da boca...

Seguro sua mão esquerda, afasto seu paletó e abro sua camisa no peito...

Sua mão está tão gelada como se eu segurasse uma pedra de gelo já que minha mão é tão quente que já virou até piada...

Ele tenta falar...

Um senhor idoso segura sua mão direita e lhe dá socos no punho avisando que é epilepsia...

Lembro que já assisti convulsão semelhante e que se ele acalmar terá chance de retornar...

Apoio sua cabeça encima do meu pé como travesseiro...

E lhe aperto os ombros para relaxar...

A primeira coisa que fala é que não está bêbado e não é mendigo...

Peço para ficar quieto...

Aviso para alguém ligar para os bombeiros...

Muita gente fica em volta...

Seguro Benedito por baixo dos braços e duas pessoas seguram suas pernas e lhe colocamos no meio fio...

Ele fala em voltar pra casa, está sem dinheiro, nervoso e tem que levantar logo para continuar procurando latinhas...

Garanto que faremos uma vaquinha e lhe daremos o dinheiro...

Todos balançam a cabeça afirmativamente...

Ele fala que não quer...

Quando já está sentado, pego R$ 5,00 reais e outra senhora mais cinco e lhe entregamos...

Somente mais três reais são arrecadamos com duas pessoas...

As outras pessoas se afastam...

Ele segura o dinheiro apertando os trocados...

Um carro buzina para eu desimpedir a garagem para entrar...

Aviso que tenho que ir embora...

Entro no carro...

Dou a volta no quarteirão e volto ao mesmo local...

Benedito continua sentado...

Está aguardando uma menina que tentou comprar, sem sucesso, o Gardenal sem receita na Farmácia Max ali próxima...

Coloco Benedito no táxi para levá-lo até a Central para pegar o ônibus para Magé...

Fomos conversando...

É a primeira vez na vida que Benedito entra em um táxi...

Benedito é evangélico e prefiro não perguntar de qual denominação ou se dá dízimo caso contrário chegaria em casa para escrever outro texto atacando violentamente picaretas cruéis...

Benedito parecia emocionado com a quantidade de pessoas que o trataram com carinho que ele não está acostumado...

Lamentável que não é possível deixar aqui registrado o nome do casal, do senhor idoso e de um adolescente que acudiram Benedito...

Acho que o casal tem alguma ligação com a Locadora de Vídeos, talvez como clientes ou proprietários, já que falaram que conheciam os donos da farmácia que talvez facilitassem a compra do remédio que não foi possível adquirir...

Da moça que deu cinco reais e ficou o tempo todo ao lado...

O deixei ao lado do ônibus da empresa Regina e dei mais cinco reais fazendo ele jurar que iria comprar um saco de biscoito para comer na viagem ao invés de guardar o dinheiro...

Nesta hora que estou escrevendo, 23 horas, Benedito já deve estar em casa narrando para esposa uma história que acredita que “ela não vai acreditar que andei de táxi”...

Cada um tem seus dramas...

Foi um dia horrível...

Quase nada deu certo...

Ver o sorriso contente de poucos dentes do Benedito recompensou o domingo nublado de raros passageiros...

Ao longe ele me mostra um saco de biscoitos numa das mãos...

Enquanto se despede com a outra...



Jorge Schweitzer



PS: Caramba, obrigado ao amigo anônimo que me enviou o texto acima que já nem lembro de quando foi postado no antigo blog censurado pela Microsoft... Aos poucos vou refazendo pegadas apagadas... Lembro muito deste episódio... Nem recordava de haver narrado...



2 comentários:

E Bittencourt disse...

Vc é um fofo, Jorge!
Cada dia que passa me encanto mais com você!


E Bittencourt.

arabealli disse...

Fala verdade..., as boas intenções só valem se acompanhadas de ações. Pequenas ou grandes ações. A sua, foi gigantesca. Para o pobre Benedito. Para o gênero humano.