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No finalzinho dos anos 60 eu era um guri que entrava na adolescência...
Deixara de jogar bola de gude; empinar pandorga (pipa) e tentar completar meu álbum de figurinhas que prometia uma bicicleta quando preenchido que nunca completei...
Com 13 anos tive meu primeiro emprego com carteira profissional 'de menor' assinada e salário que me proporcionava começar a conhecer o mundo dos adultos...
Já tinha namorada loira firme, de frequentar a varanda com a permissão dos pais, de relação tão respeitosa que me causava enfado pela liturgia comportada que acabava mais como preâmbulo para eu passar o resto da noite com o lençol a levitar ...
Munido de minha carteira estudantil expedida pelo grêmio do colégio - obviamente com idade alterada para 18 anos - conseguia circular por cinemas de 'filmes impróprios' e entrar e sair no Madrigal e na Gruta Azul que se chamava Dragão Verde até pegar fogo e trocar de nome com as lindas putas gritando entre soluços na calçada da Avenida Farrapos com fogaréu que iluminava a madrugada até a Ramiro Barcelos...
Era a Porto Alegre que eu achava minúscula para meus sonhos gigantescos de salvar a humanidade...
Assistia todos filmes brasileiros pornochanchadas da Boca do Lixo paulista contemplando mulheres nuas por completo que eu só conhecia ao vivo por pedaços que as reais furtivas me permitiam com exceção das profissionais que eu não considerava verdadeiras...
Certo dia resolvi entrar num cinema para acompanhar um filme clássico de adultos...
'Teorema' de Pasolini...
Munido de minha disposição em contemplar bandalheira aguardei que o Terence Stamp comesse a família inteira com todos pelados conforme prometia a sinopse...
Nada...
Ninguém tirava a roupa...
Fiquei traumatizado definitivamente por filmes cabeças...
Jamais assisti nada de Pasolini e parti para Fellini com seus devaneios com italianas de peitos gigantescos e o restante com curvas acentuadas que produziu que passasse a admirar, até hoje, mulheres em estado natural que não tenham fascínio por anorexia...
E...
Assisti o filme "Sem Destino" (Easy Rider)...
De Dennis Hopper com Dennis Hopper e Peter Fonda...
Foi como um choque desfribilador nos meus ideais de vida...
Eu queria uma motocicleta e uma estrada sem rumo...
Comprei imenso poster das duas motocicletas com guidons altos e garfos alongados e prendi com percevejos nas pontas na parede do meu quarto...
Do lado direito da minha cama o 'Sem Destino', do outro Ursula Andress saindo da água de biquini com uma faquinha no coldre naquela cena Bond, James Bond...
Tempo se encarregou de passar...
Tive várias motocicletas...
Todas...
Passei quase minha vida inteira sobre duas rodas...
Se tornaram minha extensão...
Certo dia tornei meu sonho 'Sem Destino' real...
Meu primeiro percurso foi entre Rio de Janeiro/Ilha Bela/Rio...
Alguns anos depois fiz Rio/Porto Alegre/Rio...
Foi curioso...
Num hiato de vida quanto tantos tive a hibernar...
Quando senti esvaziar todos meus projetos pessoais pretendi voar...
Sem rumo...
Liguei para uma amiga numa madrugada de solidão...
Cruzamos 4.500 km com vento na cara entre ida e volta...
Foram dois meses...
Como na vez anterior, numa CB 450....
Sobraram poucas fotos, nenhuma em meu poder...
Algumas postei no antigo blog que censurado pela Microsoft arquivou também estes registros...
Dennis Hopper foi embora...
Suas imagens em close com chapéu de couro desabado sobre o rosto como irado contestador do sistema com trilha musical magnífica cruzando estradas ao lado de Peter Fonda deixam a imagem de um aventureiro herói incomum...
Sabe o que mais lamento...
Cruzar estradas montado em motocicleta à 180 km/h na vida real não tem trilha sonora...
Só o vento...
E...
Depois de horas dói os rins; as costas; os braços e o cabelo da namorada fica chicoteando o rosto do condutor de forma irritante enquanto ela pede a toda hora para fazer xixi...
Feliz foi o Dennis Hopper...
Quando eu for embora não terei minha viagem glamourizada com fundo musical para reproduzir meus melhores momentos no Youtube...
Sem problemas...
Ficou só na retina da alma andarilha...
Jorge Schweitzer
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