sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Sou Dono do Mundo, Coronel!






Até os 30 anos de idade dificilmente recebia notícia de pessoa conhecida que partia desta vida...

Somente experimentei este sobressalto ao meu pai morrer com 54 anos de idade há 31 anos atrás...

O primeira beijo da morte; o eterno abraço da saudade...

Quando ultrapassamos os cinqüenta passamos a nos defrontar com a passagem de pessoas próximas...

É difícil assimilar...

Impossível...

Conhecemos a lei natural mas nunca estamos preparados para a perda...

Escutei no rádio a morte do jogador Chicão que se tornou meu ídolo após dar um tapa na cara de um jogador da Seleção Argentina...

Cada um que se vai leva junto nossas pequenas ou imensas referências de vida...

Nossas lembranças e gargalhadas compartilhadas...

Nossos momentos inesquecíveis...

É brabeira...

Quarta-feira, às 16 horas, recebi uma ligação no celular...

Quando vi ‘Cel.Moura’ no visor do celular atendi, como sempre: “Fala Coronel Moura”...

Silêncio...

Cai a ligação...

Liguei para sua casa pedindo para falar com o próprio...

Sou informado que o Coronel Moura faleceu...

Calo...

Jamais poderia imaginar que o Coronel Moura algum houvesse me proporcionar esta despedida...

Uma avalanche de lembranças passam em recordação como um flashe...

Fiquei prostrado...

Nos conhecemos de forma inusitada...

Coronel Luiz Gonzaga de Moura entrou em meu táxi esbaforido na Rua Buenos Aires...

Apesar do calor senegalêz portava imponente seu boné de grosso tecido...

Agradeceu o clima de montanhas dentro do carro...

Estava, no Saara, procurando um cortador de gramas para seu sítio em Cachoeira de Macacu...

Voltava pra casa no Leme...

Parecia que nos conhecíamos desde meninos...

Aproveitamos todos engarrafamentos que a cidade nos proporcionou para sabermos de nossas vidas...

Uma delícia de encontro...

Imaginava que nunca mais nos encontraríamos...

Pediu meu telefone...

No dia seguinte me ligou combinando preço para passarmos o dia inteiro a caminho de Cachoeira de Macacu ida e volta...

Durante anos, a cada quinze dias, fazíamos o mesmo itinerário com parada obrigatória em almoço no Restaurante da Carminha antes de subirmos até o sítio onde o amigo Cel Moura tirava uma ‘ciesta’ enquanto eu me esbaldava na cachoeira e catava fruta-conde afundando o pé na terra do terreno imenso...

Aquela casa na beira das montanhas cheias de nuvens...

Meu filho Rodrigo um dia fez a viagem junto...

Coronel Moura acompanhou desde o início a mudança de meu filho a vir morar comigo em Copacabana...

- Jorge, este menino precisa conviver com você; se tornar um homem igual...

Rodrigo adormeceu no banco de trás após ser colocado a contar a quantidade de semáforos de Itaboraí...

Quando Cel Moura resolveu vender o sítio não apareceu comprador...

Estivemos em vários corretores que prometiam venda rápida...

Nada...

Me convenceu que precisávamos urinar na cachoeira para aparecer comprador...

Mijamos...

Vendeu...

Coronel Moura ficou mal depois de vender o sítio que amava...

Sempre que me ligava tentava convencê-lo a retornar ao local...

Me confessou que sonhava com o sítio...

Demorou tempos até resolver retornar...

Circundamos a propriedade...

Sentiu-se aliviado...

Havia exorcizado a perda do sítio que conheceu na mesma década em que nasci...

Retornamos algumas vezes a Cachoeira de Macacu para visitar seu protético...

Apelidei o sujeito dentista de ‘Boris Karloff’...

Se chama Cristóvão...

"Boris" é um homem de coração bom que qualquer dia falo dele...

Abaixo de seu consultório tem um bar com versos do Raul Seixas na parede onde pessoas simples nos chamam pra conversar com suas simplicidades 'minhocas da terra'...

Talvez eu jamais retorne a Cachoeira de Macacu...

É um local que só cabe minhas lembranças ao longe, seria doloroso retornar...

Porém jamais vou esquecer do final de tarde ao pegar a Ponte Rio Niterói na volta...

Com o sol a refletir sobre a baía da Guanabara e o Cristo Redentor sumindo ao lado esquerdo...

Sempre comentava o espetáculo da natureza...

Coronel Moura, na primeira ocasião, comentou que achava normal...

Eu, maravilhado, jurava que perceber aquilo tudo era uma sensação próxima de uma felicidade que enche a alma...

Fiquei me achando ridiculamente fantasioso...

Nunca mais comentei das outras vezes que passamos por ali...

Da última vez fui surpreendido:

- Jorge, você tem razão...

- Hein?

- Esta visão dá um prazer fora do comum...

- Tá brincando, Coronel?

- Quando sentia saudade do sítio, que era minha propriedade, ficava imaginando você empolgado com o sol batendo no mar, que nem tem dono...

- Sou dono do mundo, Coronel!

- Somos!

- Lógico!




Jorge Schweitzer


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